13/10/2017

Linguística textual

Introdução

O atual trabalho visa à comparação das gramáticas normativa e textual. Porém, antes de abrir o debate para tal tópico, haverá breve exposição de alguns conceitos-chave sobre a linguística do século XX que são o embasamento teórico para este artigo. Algumas subáreas ou grandes áreas da linguagem são abordadas por conta do vasto estudo que há sobre o purismo gramatical e a nova vertente textual da gramática. Os exercícios escolhidos, para verificação, foram selecionados da internet e de livros didáticos usados no ensino fundamental e médio.

Brevíssimo panorama da linguística do século XX

O Cours de linguistique générale de Ferdinand de Saussure teve grande impacto nos estudos da língua e de linguagem, dessa forma, podemos considerá-lo como o início da Linguística Moderna. Logo após tal advento, a Escola de Genebra, os defensores dessa escola saussuriana, manteve firme o pensamento empírico de Saussure. Alguns segmentos da linguística foram desenvolvidos: a fonologia e a fonética, ciência que estuda e analisa a fonação, articulação e acústica, o estruturalismo, inter-relações e elementos coesos que funcionam como um conjunto de regras, ou seja, elementos que possuem leis internas - uso de método indutivo, o signo e seu carácter arbitrário, assim compreendemos o significado e o significante e as motivações que os signos podem trazer ou não - arbitrariedade e motivação, língua ("langue") e fala ("parole"), ou seja, a dicotomia entre o lado social e o lado individual, sincronia e diacronia, o caráter evolutivo e estático da língua. Além do mais os aspectos da Linguística Psicológica, Escola Sociológica, Linguística Soviética, Estilística e Semântica etc.

A gramática normativa

A gramática normativa - ou tradicional - começou com os gregos e foi continuada pelos romanos, ou seja, havia interesse em descrever as próprias línguas. Os estudos normativos são, a limine, o padrão adotado até hodiernamente pelos sistemas educacionais. O prescritivismo, hoje em dia por conta dos estudos linguísticos, está sendo contestado pelos linguistas por causa da amplitude que o uso da língua pode ter, ou seja, o uso não ficaria restrito apenas ao certo e ao erro, mas sim seria pensado em adequado ou inadequado para alguma situação comunicativa.

"Para Aristóteles, a lógica seria o instrumento que precede o exercício do pensamento e da linguagem, oferecendo-lhes meios para realizar o conhecimento e o discurso. Assim, a lógica aristotélica buscava descrever a forma pura e geral do pensamento, não se preocupava com os conteúdos por ela vinculada." (MARTELOTTA, 2012, p. 46)

Logo, depois com o desenvolvimento da Pragmática e da Semântica, o emprego considerado correto ou errado tende a ser reanalisado. Segundo Martelotta: "[...] o uso da língua não está regido, pelo menos em sua essência, pelos padrões de correção".

Dessa maneira, a imposição de normas arbitrárias não deve ser extremamente rígida, temos de considerar o uso social e o uso regional. O prescritivismo não leva em conta as variações que a língua sofre no tempo e no espaço. Por isso, a Sociolinguística tem tido grande notoriedade nos estudos linguísticos contemporâneos.

O prescritivismo consiste em tentativas, de professores e escritores, de resolver as discordâncias insistindo no emprego das formas e usos que eles preferem pessoalmente e condenando outros de que eles pessoalmente não gostam." (TRASK, 2012, p. 235)

Para concluir, segundo o Pequeno Vocabulário de Linguística Moderna o conceito de gramática normativa é:

Procura descrever os usos discriminando os padrões em termos de propriedade num conjunto de situações sociais. É uma gramática avaliativa, geralmente tomando como base o critério de importância social - seleciona certos padrões considerando-os como "bons" e rejeita outros como "maus". (BORBA, 1976, p. 57)

A linguística textual

Criada na Europa continental, a Linguística Textual concentra sua atenção nas intenções do texto e na identificação de textos por meio de suas diferenças. O enfoque sai da frase e passa ao todo textual, ou melhor, contextual. Logo, o empecilho de tal estudo é a definição de texto, visto que tem vário significado. Porém, hoje em dia, a acepção de texto é "toda e qualquer forma de comunicação fundada num sistema de signos" (MARTELOTTA, 2012, p. 193). Conclui-se que o texto seja uma unidade comunicativa básica: declarações, afirmações, negações feitas por interlocutor a um interlocutário.

Consoante Hjelmslev, "toma a palavra texto no sentido mais amplo e com ela designa um enunciado qualquer, falado ou escrito longo ou curto, velho ou novo."

As múltiplas significação da palavra texto dependerá do campo estudado, no livro Linguística Textual: Introdução de Koch tiramos esta definição:

Os textos são sequências de signos verbais sistematicamente ordenados. Como processos ordenados de complexidade relacional, eles permitem ser incluídos na noção de sistemas, no sentido da Teoria Geral dos Sistemas (Oomen, 1969, 1971). Por esta razão, também, um dado texto pode ser considerado com um signo linguístico primário e global, de modo a atribuir-se a seus segmentos apenas o status de signos parciais (Hartmann, 1968b)"

Ainda citando Koch sobre uma das várias significações de texto:

Os textos empíricos individuais podem ser considerados como realizações verbais ("textualidade") de sua textualidade. Estas noções permitem adotar a posição de que as mídias da textualização podem adquirir formas variadas, de tal modo que não só os textos verbais, mas também pictóricos, arquitetônicos, fílmicos ou quaisquer outros podem ser concebidos como "textos", isto é, como manifestações de uma textualidade." (KOCK e FÁVARO, 1988, p. 20)

Por conseguinte, a Linguística Textual toma o texto como unidade básica de análise, quer dizer, objeto particular de investigação. Sua origem retoma a Cosériu (1955), porém, no atual sentido, retoma a Weinrich (1966, 1967). Desde então, vários autores têm desenvolvido estudos em Linguística Textual, Halliday, Weinrich, Ducrot, Isenberg, Lang, Dressler etc.

A gramática de texto

A Gramática de Texto tem por objetivo cobrir as lacunas deixadas pela Gramática Normativa. Por exemplo, a referência, a substituição, a elipse, a conjunção, a tematização etc. Essa maneira, as lacunas são preenchidas por meio do contexto, assim a semântica do texto cobrirá toda a relação do significado global, pragmática do texto expressa o propósito e a função extralinguística do texto, a sintaxe do texto torna o texto elaborado sintaticamente e a fonética do texto dará os elementos prosódicos e os entonacionais.

"Apresenta, como primeiro momento, o da análise transfrástica, em que se procede à análise das regularidades que transcendem os limites do enunciado; o segundo é o da construção das gramáticas textuais; o terceiro, finalmente, é o da construção das teorias de texto." (KOCK e FÁVARO, 1988, p. 13)

Logo, a Gramática Textual está preocupada com o contexto situacional em que o texto é expresso, por exemplo, condições semânticas, pragmáticas e ideológicas. Outro empecilho seria a distinção entre texto e discurso, termos usados pela Análise do Discurso. Então, o texto torna-se um produto ideológico, carregado de idiossincrasias, de marcas pessoais e de marcas culturais.

"A inserção da pragmática na teoria de texto elaborada por Petöfi apresenta-se de maneira bastante complexa, mas, também para ele, é impossível separar-se sintaxe, semântica e pragmática." (KOCK e FÁVARO, 1988, p. 16)

A Gramática Textual, assim, preocupa-se com o global, ou melhor, como o estudante aplicará as regras que devem ser ensinadas num contexto social apropriado. O aluno tornar-se-á consciente das múltiplas aplicações que um elemento gramatical, por exemplo, pode ter. Logo, temos de ter noções de transtextualidade para passar essa visão ampla de texto aos alunos (intertextualidade, paratextualidade, metatextualidade, hipertextualidade e arquitextualidade).

Introdução à análise dos exercícios

Torna-se necessária a reelaboração dos exercícios propostos para a aplicação em sala de aula. É mister que haja uma concordância entre as duas gramáticas em sala de aula, logo, o professor deve julgar quando tais implementações serão essenciais. As capacidades linguísticas que devem ser aprimoradas:

I. saber cognitivo: inclinação para o uso da linguagem;
II. saber antropológico: simbolização de nossa realidade;
III. saber histórico: conhecimento de mundo de si e de seus correlatos;
IV. saber léxico-gramatical: domínio das estruturas, das palavras e das formações sintáticas;
V. saber sociolinguístico: valor interacional e cultural; e
VI. saber textual: uso todos textos em sua situação pragmática.


O aluno precisa sair da escola apto a expressar suas ideias de forma coesa e coerente, além do mais, refletir sobre sua própria língua como legado cultural. Por conseguinte, o contexto discursivo, a competência pragmático-textual e o registro precisam ser trabalhados em sala de aula para que o aluno enxergue além da sala de aula, ou seja, para que ele aplique isto em sua vida.

Análise dos exercícios da gramática normativa e da gramática textual


No quinto exercício temos uma notória evidência da sociolinguística que ocorre hodiernamente no Brasil: o emprego dos pronomes átonos, ou seja, proclítico, enclíticos e mesoclíticos. A gramática normativa prescreve regras no emprego de tais elementos lexicais, porém, no cotidiano, não são aplicadas. Tais regras pronominais são seguidas no português lusitano, já no português brasileiro, só ocorrem no padrão culto escrito. Mesmo com a preferência do falante brasileiro pela próclise, a gramática normativa ainda exige o uso formal dos desses pronomes.

Na tirinha de Calvin e Haroldo, além dos conteúdos gramaticais trabalhados no exercício quinto, temos uma questão de compreensão na sexta pergunta: qual seria a única exceção do desejo de Calvin contra seu inimigo. Consequentemente, os elementos gramaticais servem de apoio à concepção contextual.

No sétimo exercício, há um exemplo muito importante do uso das classes de palavras. Em Português, podemos intercambiar as classes gramaticais, ou seja, um adjetivo pode assumir o lugar de um substantivo, por exemplo:

i. Aquela blusa amarela que ela usou. (Ela = sujeito simples, expresso; usou = verto transitivo direto; aquela blusa amarela = objeto direto do verbo usar; ordem direta da frase = ela usou aquela blusa amarela) Nível Sintático.
(Blusa = substantivo concreto; amarela = adjetivo simples) Nível Morfológico.
ii. Amarelo é minha cor preferida.
(Amarelo = sujeito simples, expresso; é = verbo copulativo ou de ligação; minha cor preferida = predicativo do sujeito) Nível Sintático. (Amarelo = adjetivo usado como substantivo (derivação imprópria) Nível Morfológico.

Logo, por meio do exercício o aluno pode apreender uma das possibilidades da língua. Linguisticamente, são arquilexemas (segundo o dicionário Infopédia: ar.qui.le.xe.ma [ɐrkilɛˈksemɐ]; nome masculino; LINGUÍSTICA elemento que apresenta o conjunto de traços semânticos (semas) pertinentes e comuns às diversas unidades da série, e neutraliza a oposição de traços semânticos específicos das unidades dessa mesma série.).  


No exercício número nove da imagem acima, temos um exercício em que alguns conhecimentos gramaticais são requeridos, por exemplo, as classes de palavra. Assim, os exercícios estão sempre relacionados a um contexto situacional.



No exercício acima, vemos claramente que a gramática normativa está concentrada no certo e no errado. Já no exercício de colocação pronominal de Calvin e Haroldo, nós temos todo um aparato contextual de plano de fundo, ou seja, a situação em que se dá o enunciado de Calvin, o teor de discurso, visto que Calvin é um criança, logo falará de maneira apropriada a sua idade e o uso enfático dos pronomes do caso reto no lugar dos pronomes proclíticos ou enclíticos pode ser justificado, além de ser um discurso infantil, pela emoção ao enunciar, funções dependentes da interação (GUIMARÃES, 2009, p. 34).  

O exercício da gramática normativa de colocação pronominal serve sim para atentar se o aluno compreendeu o conteúdo, porém o mundo e contexto social devem ser trabalhados juntos a gramática assim que necessário, caso contrário, o aluno pode indagar ao professor o porquê de tal regra se, na casa dele ou na rua, ele não estuda a correta colocação dos pronomes.



O exercício acima de classe de palavras não leva em consideração a intercambiação que elas podem sofrer. No discurso oral, é notória a flexão de um advérbio para um substantivo: O não que ela me disse foi intenso. Ou até mesmo de uma conjunção para substantivo: Não sabia o porquê da situação.
Segundo Elisa Guimarães no livro Texto, discurso e ensino uma atividade pedagógica com o texto seria:

I. Reelaboração de um texto ajustando-o a uma situação comunicativa;
II. Análise do funcionamento discursivo;

III. Texto de diferentes âmbitos;
IV. Captação das representações contextuais: quem escrever? De onde procede? Quais os destinatários? Qual a intenção do texto?

Se o aluno sair da escola com uma visão de texto global, ou seja, tudo pode ser lido como um texto e significações podem ser obtidas mediante a leitura, o trabalho do professor terá atingido seu ápice.

O preconceito linguístico

No livro Preconceito Linguístico de Marcos Bagno, fica evidente a ideia de língua: variação. Logo, a língua deve ser pensada de maneira ampla. Os falantes do português brasileiro usam a língua de diversos modos. Os regionalismos, os neologismos e os xenismos, que são colocados como "erros" por algumas gramáticas ou manuais de escritas, são a nítida variabilidade do idioma.

O professor deve, primeiro de tudo, extinguir a ideia de "errado" ou "certo" do aluno. Logo, deve discutir com os alunos a ideia de aceitabilidade, quer dizer, qual seria o melhor lugar para o uso alguma expressão, palavra etc. A maturidade linguística tem de ser desenvolvida com os alunos. A imagem de "donos" do idioma dos professores de português será desmantelada com a junção da gramática e da linguística.

Bagno, no livro, diz que os alunos não precisam saber completamente a nomenclatura gramatical, mas sim o profissional da área. Por outro lado, algumas instituições cobram as regras e os nomes, concursos e vestibulares. Ele sugere que as provas sejam reelaboradas para outra visão de língua. Porém, alguns vestibulares já estão com a concepção textual quando realizam as provas, ENEM, por exemplo.

Considerações Finais

Vários livros sobre o tema foram publicados: gramática, ensiná-la ou não. A gramática deve ser ensinada em embasamento linguístico, considerando as abundâncias que a nossa língua expressa dia após dia. Levando em consideração todos as subáreas da linguagem, desde Retórica à Análise do Discurso, passando por todas as áreas, destarte, o aluno estará imbuído do poderio da língua.

A internet tem sido a grande mídia em que os jovens possuem imensa liberdade para se expressar e opinar. Lá, os jovens usam uma nova vertente do idioma: o "internetês" para a comunicação, uma linguagem rápida e figurativa (emoticons). Em consequência, o professor não pode rejeitar essa recém-chegada maneira de comunicabilidade, dizendo que ela é impura e deturpadas, mas sim precisa analisá-la com o aluno, orientando-o a usá-la apenas nos ambientes virtuais.

O foco sempre será o aprendizado do aluno. E ele tem por necessidade de conhecer as evoluções tecnológicas, artístico-culturais. E, porque não, linguísticas? A visão purista da língua, em estrito, não tem mais lógica no século XXI.

Carlos Henrique Teixeira de Araújo
RA 201400493 13


Bibliografia

KOCK, Ingedore G. Villaça; FÁVERO, Leonor Lopes. Linguística Textual: uma introdução. 2 ed. São Paulo: Cortez, 1988.

TRASK, R.L. Dicionário de Linguagem e Linguística. 3 ed. São Paulo: Contexto, 2011.

DUBOIS, Jean et all. Dicionário de Linguística. 1 ed. São Paulo: Cultrix, 2006.

LEROY, Maurice. As Grandes Correntes Linguística Moderna. 1 ed. São Paulo: Editora Universidade de São Paulo.

ABREU, Antônio Suárez. Texto e Gramática: uma visão integrada e funcional para a leitura e a escrita. São Paulo: Editora Melhoramentos, 2012.

CAMARA JUNIOR, Joaquim Mattoso. Dicionário de Linguística e Gramática: referente à língua portuguesa. 27 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009.

ELIAS, Vanda Maria et all. Ensino de Língua Portuguesa: oralidade, escrita e leitura. São Paulo: Contexto, 2011.

MARTELOTTA, Mário Eduardo. Manual de Linguística. 2 ed. São Paulo: Contexto, 2012.

BORBA, Francisco da Silva. Pequeno Vocabulário de Linguística Moderna. 2 ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1976.

AZEREDO, José Carlos de. Fundamentos de Gramática do Português. 5 ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2010.

GUIMARÃES, Elisa. Texto, discurso e ensino. São Paulo: Contexto, 2009.

BAGNO, Marcos. Preconceito Linguístico: o que é, como se faz. 49 ed. São Paulo: Loyola, 2007.


Referências Eletrônicas

Exercícios e imagens

http://www.professorandresan.com.br/admin/var/file/36ede80a1f96cefcc0f1ba0422318c0a.pdf Acesso em 25/05/2016.

http://image.slidesharecdn.com/gramticatextualcomrespostas-140126183817phpapp02/95/gramtica-textual-com-respostas-3-638.jpg?cb=1390761554 Acesso em 25/05/2016. 

http://image.slidesharecdn.com/gramticatextualcomrespostas-140126183817phpapp02/95/gramtica-textual-com-respostas-2-638.jpg?cb=1390761554 Acesso em 25/05/2016.

http://dicasdiariasdeportugues.com.br/wp-content/uploads/2015/05/12-estude-coloca%C3%A7%C3%A3o-pronominal-fa%C3%A7a-o-download-do-ANEXO-12.pdf Acesso em 25/05/2016.