In a
female boarding school, a swimming teacher has her relationship with the class
transformed by the arrival of a foreign student - this is a brief synopsis of
the film "Cracks", directed by Jordan Scott.
In
the storyline, the boarding school students are so isolated from the outside
world that they form a society-like group, in which the swimming team is the
elite. The young swimmers have a chance to escape the boredom and the school
traditionalism with the help of Miss G (Eva Green), their coach.
In
contrast to the other employees, Miss G is young and vivacious; she encourages
her pupils’ freedom of speech, provides forbidden books and values uniqueness
over traditionality. Furthermore, the teacher entertains them with adventurous
stories of her trips, making cracks in the walls that separate the girls from
the outside world, giving them a glimpse of the independent life they dream
about.
With
this in mind, and given that the students are young and have a lack of
affection, it is not surprising that Miss G is for them a heroine (“She's
fearless and true and an example to everyone of us”),1 whom they try
to please and mirror and every way, for she is a strong feminine figure. The
master’s maxim (“The most important thing in life is desire. You can achieve
anything you want”)2 is
their empowering anthem and also a meaningful part on a completely stable
relationship - at least until a new swimmer joins the team.
Fiamma
(María Valverde), the foreign new girl, draws Miss G’s attention due to her
irreverent personality and diving skills. While the others are “still waiting for
their lives to begin”,3 Fiamma has already travelled the world,
lived as a member of the Spanish society elite and ran away with a communist peasant.
Her adventures fascinate Miss G, but there is no reciprocity.
Instead
of this, Fiamma mistrusts the teacher’s stories, which causes her behavior to
be transformed. The once confident Miss G starts crumbling and showing
insecurity when the student suggests that she had taken her adventures from
books - which is true. Miss G, in fact, has lived in the boarding school since
she was a girl and has never left it. Her stories are fictional and so is she.
Behind the audacious, experienced woman persona,
there is a fearful person, much different from Fiamma and the literary heroines
she admires.
1- Di
Radfield’s line
2/3 -
Miss G’s line
Even
though she is under pressure, Miss G does not give up on her role, putting all
of her faith and
sense of truth on it. She suffers from a “romantic insatisfaction which
consists in the desire of escaping one’s condition, adopting an idealized
reality”,4 characteristic that immediately evokes Flaubert’s Emma
Bovary, whose unhappiness - caused by a disappointing, different from the books
marriage - led her to seek for lovers, hoping they could give her the reality
she wanted.
There are clearly strong resemblances
between Miss G and Emma: both of them grew up in tedious environments, isolated
from the world, where the actual experiences were replaced by daydreams, both
are readers who take from the literature their expectations about life, they
dream about having the same adventures the heroines from their favorite stories
had and, above all, they persist in their illusions, giving their blood to
maintain them alive, even when the world and the reason itself alert about the
certain failure.
The state of mind these two characters are
in was described by the philosopher Jules de Gaultier as a “typically human
psychological behavior” (GAULTIER apud DIEGUEZ, 2010, translation), which he
named “boravism” to make a reference to Flaubert’s character. Such condition
consists in imagining oneself as a different person and acting as if one had
the attributes of the desired life, creating an idealized role (OLIVEIRA, 2015,
translation).
According to Gaultier, however, bovarism
is not exactly an escape from reality. In Miss G’s case, this affirmation’s
veracity can be observed in the discomfort she shows when Fiamma tries to
expose her. In other words, Miss G is aware that she is pretending. What
actually happens is an attempt to mix reality and illusion so that her
frustrated desires and aspirations can be satisfied. This troubled relationship
with reality - and not its denial - is the heart of bovarism (OLIVEIRA, 2015,
translation).
Regardless
of the “bovaric” personality features, which make Miss G and Emma Bovary
comparable, there is a substantial difference between them: the daring. While
Emma really tries to live the adventures she read about, Miss G only pretends
she had lived them. Her character is symbolically expressed when, during the
scene in which she serves Fiamma breakfast, she attempts to approach her hand
from the girl’s face and touch it, but she trembles and gives up. This one
fugacious tremble expresses the essence of the film: it is the desire - “the
most important thing in life” - which hesitates and fails because it lacks
daring.
With
the human dreamy nature in mind, Miss G - a romantic who was not able to
fulfill her aspirations nor to accept failure - must be understood as a risk we
all take, since one can not predict its reaction towards doom.
4 - Dicio.com.br/bovarismo (translation)
Moreover,
a frustrated expectation can cause character changes, leading one to free its
inner Miss G, who will be ready to make up reality, painting it with colors she
likes more than the real ones. There will be plenty of “bovaric” artifices.
After all, as Roland Barthes suggests, “[...] we are all Madame Bovary”
(BARTHES apud OLIVEIRA, 2015, translation).
O BOVARISMO EM “SEDUÇÃO”, JORDAN SCOTT
Em um internato
feminino, uma professora de natação tem seu relacionamento com a turma
modificado pela chegada de uma aluna estrangeira - eis uma breve sinopse do
filme “Sedução”, de Jordan Scott.
Na história, as
estudantes do internato encontram-se de tal forma privadas do contato com o
mundo exterior que acabam por formar, entre si, uma espécie de sociedade, da
qual a elite é o time de natação. As jovens nadadoras têm a chance de escapar do
tédio e da repreensão escolar através de Miss G (Eva Green), a professora que
as treina.
Ao contrário das
outras que integram o corpo docente, Miss G é jovem e vivaz, incentiva lhes a
livre expressão, proporciona a leitura de livros proibidos e atribui mais valor
à singularidade do que à regra. Ademais, a professora as entretém com histórias
aventurescas de suas viagens, criando rachaduras nas paredes que separam as
meninas do mundo exterior, dando-lhes um vislumbre da vida independente pela
qual tanto anseiam.
Assim sendo, e
tendo em vista a juventude e as carências emocionais das pupilas, não é de
surpreender que Miss G seja para elas uma heroína (“Ela é destemida e
verdadeira, é um exemplo para todas nós”)1, a quem procuram em tudo
agradar e espelhar, uma vez que é uma figura feminina forte. A máxima da mestra
(“A coisa mais importante da vida é o desejo. Vocês podem conquistar qualquer
coisa que quiserem”)2 serve-lhes
como hino de empoderamento e é parte significativa de uma relação plenamente
estável - ao menos até a chegada de uma nova nadadora.
Fiamma (María
Valverde), a novata estrangeira, logo chama a atenção de Miss G devido à sua
personalidade irreverente e ao seu talento acima da média. Enquanto as outras
“continuam a esperar que suas vidas comecem”,3 Fiamma já viajou o
mundo, integrou a elite da sociedade espanhola e fugiu com um camponês
comunista. Suas aventuras causam fascínio em Miss G, mas não há reciprocidade.
Ao invés disso,
Fiamma sente desconfiança em relação às histórias da professora e, assim,
começa a transformar seu comportamento. A antes altiva Miss G passa a oscilar,
demonstrando insegurança quando a aluna sugere que tenha tirado suas aventuras
de livros - o que acaba por confirmar-se. Miss G, na verdade, vive no internato
desde menina e dele jamais saiu para canto algum.
1- Fala da
personagem Di Radfield
2 / 3 - Fala da
personagem Miss G
Não só as
histórias que conta são fictícias como ela mesma o é.
Por trás da persona de mulher audaciosa e vivida,
esconde-se uma pessoa abaladiça e atemorizada, muito diferente de Fiamma e das
heroínas literárias que admira.
Não obstante a
pressão sob a qual se sente, Miss G não desiste de sua personagem, colocando
nela toda a sua fé cênica. Possui uma “insatisfação romântica que consiste em
querer evadir-se de sua condição, adotando uma realidade idealizada”,4
característica que remete de imediato à Emma Bovary de Flaubert, que, infeliz
por seu casamento não corresponder às ideias que os romances lhe sugeriram,
busca em seus amantes a realidade com a qual sonha.
Há, claramente,
fortes semelhanças entre Miss G e Emma: ambas cresceram em ambientes tediosos e
isolados do mundo, onde as experiências reais foram substituídas pelos
devaneios da mente, as duas são leitoras que retiram da literatura suas expectativas
quanto a vida, sonham em ter as mesmas aventuras das protagonistas de suas
histórias favoritas e, acima de tudo, são persistentes em suas ilusões, dando o
sangue na tentativa de mantê-las vivas, mesmo quando o mundo e a própria razão
alertam para o fracasso certo.
O estado de
espírito no qual as duas personagens encontram-se imersas foi descrito pelo
filósofo Jules de Gaultier como sendo “um funcionamento psicológico típico da
espécie humana” (GAULTIER apud DIEGUEZ, 2010), ao qual nomeou “bovarismo”, em
referência à personagem de Flaubert. Tal condição consiste em imaginar-se uma
pessoa diferente da que se é e agir como se possuísse os atributos de vida que
almeja, construindo uma personagem idealizada (OLIVEIRA, 2015).
De acordo com
Gaultier, o bovarismo não é, todavia, uma fuga da realidade propriamente dita.
No caso de Miss G, pode-se observar a veracidade dessa afirmação no desconforto
que a professora demonstra quando Fiamma procura expor suas mentiras. Isto é,
Miss G tem consciência da dissimulação que pratica. O que ocorre, na verdade, é
uma tentativa de mesclar a realidade à ilusão, a fim de satisfazer desejos e
aspirações frustradas. Essa relação conturbada com a realidade - e não a
negação dela - é a essência do bovarismo (OLIVEIRA, 2015).
Não obstante os
traços de personalidade “bováricos” que tornam Miss G e Emma Bovary passíveis
de analogia, há entre as duas uma diferença substancial: a coragem. Enquanto
Emma tenta de fato viver as aventuras que leu, Miss G apenas finge tê-lo feito.
4 -
Dicio.com.br/bovarismo
Seu caráter é
expresso simbolicamente quando, na cena em que serve o desjejum à Fiamma, tenta
aproximar sua mão do rosto da menina para afagá-lo, mas treme e desiste.
Esse único e fugaz
tremor carrega o cerne do filme: é o desejo - “a coisa mais importante da vida”
- que vacila e fracassa, pois falta-lhe ousadia.
Tendo em vista a
natureza sonhadora do ser humano, a figura de Miss G - uma romântica que não
soube concretizar suas aspirações e tampouco aceitar a derrota - deve ser
interpretada como um risco que todos correm, uma vez que não se pode prever a
própria reação perante a ruína. Ademais, uma expectativa frustrada pode operar
mudanças no indivíduo, levando-o a liberar a Miss G que tem dentro de si,
pronta para maquiar a realidade, dando-lhe cores das quais goste mais do que as
verdadeiras. Não faltarão artifícios “bováricos” - afinal, como diria Roland
Barthes, “[...] somos todos Madame Bovary” (BARTHES apud OLIVEIRA, 2015).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
SCOTT, R. et al (Produtor) &
SCOTT J. (Diretor). 2009. Cracks
[Filme-vídeo]. Irlanda. Element Pictures et al.
FLAUBERT, Gustave. Madame Bovary. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 2017.
PEDROSO, A.M. A Sonhadora Emma Bovary: Uma Análise do Perfil da Protagonista do
Livro. Portal Educação. Retrived from: <https://www.portaleducacao.com.br/conteudo/artigos/idiomas/a-sonhadora-emma-bovary-uma-analise-do-perfil-da-protagonista-do-livro/49270>
Acesso em: 9 abr. 2017.
DIEGUEZ, Sebastian. Emma Bovary e a Realidade Paralela.
Uol. 2010. Disponível em: <http://www2.uol.com.br/vivermente/reportagens/emma_bovary_e_a_realidade_paralela.html>
Acesso em: 10 abr. 2017.
OLIVEIRA, Camila. O Bovarismo Nosso de Cada Dia. Wsimag.
2015. Disponível em <https://wsimag.com/pt/bem-estar/15868-o-bovarismo-nosso-de-cada-dia>
Acesso em: 10 abr. 2017.
Giulia Schmidt
RA 81620465