21/06/2018

BOVARISM IN “CRACKS” (2009), BY JORDAN SCOTT


In a female boarding school, a swimming teacher has her relationship with the class transformed by the arrival of a foreign student - this is a brief synopsis of the film "Cracks", directed by Jordan Scott.
In the storyline, the boarding school students are so isolated from the outside world that they form a society-like group, in which the swimming team is the elite. The young swimmers have a chance to escape the boredom and the school traditionalism with the help of Miss G (Eva Green), their coach.
In contrast to the other employees, Miss G is young and vivacious; she encourages her pupils’ freedom of speech, provides forbidden books and values uniqueness over traditionality. Furthermore, the teacher entertains them with adventurous stories of her trips, making cracks in the walls that separate the girls from the outside world, giving them a glimpse of the independent life they dream about.
With this in mind, and given that the students are young and have a lack of affection, it is not surprising that Miss G is for them a heroine (“She's fearless and true and an example to everyone of us”),1 whom they try to please and mirror and every way, for she is a strong feminine figure. The master’s maxim (“The most important thing in life is desire. You can achieve anything you want”)2 is their empowering anthem and also a meaningful part on a completely stable relationship - at least until a new swimmer joins the team.
Fiamma (María Valverde), the foreign new girl, draws Miss G’s attention due to her irreverent personality and diving skills. While the others are “still waiting for their lives to begin”,3 Fiamma has already travelled the world, lived as a member of the Spanish society elite and ran away with a communist peasant. Her adventures fascinate Miss G, but there is no reciprocity.
Instead of this, Fiamma mistrusts the teacher’s stories, which causes her behavior to be transformed. The once confident Miss G starts crumbling and showing insecurity when the student suggests that she had taken her adventures from books - which is true. Miss G, in fact, has lived in the boarding school since she was a girl and has never left it. Her stories are fictional and so is she. Behind the audacious, experienced woman persona, there is a fearful person, much different from Fiamma and the literary heroines she admires.
1- Di Radfield’s line
2/3 - Miss G’s line
Even though she is under pressure, Miss G does not give up on her role, putting all of her faith and sense of truth on it. She suffers from a “romantic insatisfaction which consists in the desire of escaping one’s condition, adopting an idealized reality”,4 characteristic that immediately evokes Flaubert’s Emma Bovary, whose unhappiness - caused by a disappointing, different from the books marriage - led her to seek for lovers, hoping they could give her the reality she wanted.
There are clearly strong resemblances between Miss G and Emma: both of them grew up in tedious environments, isolated from the world, where the actual experiences were replaced by daydreams, both are readers who take from the literature their expectations about life, they dream about having the same adventures the heroines from their favorite stories had and, above all, they persist in their illusions, giving their blood to maintain them alive, even when the world and the reason itself alert about the certain failure.
The state of mind these two characters are in was described by the philosopher Jules de Gaultier as a “typically human psychological behavior” (GAULTIER apud DIEGUEZ, 2010, translation), which he named “boravism” to make a reference to Flaubert’s character. Such condition consists in imagining oneself as a different person and acting as if one had the attributes of the desired life, creating an idealized role (OLIVEIRA, 2015, translation).
According to Gaultier, however, bovarism is not exactly an escape from reality. In Miss G’s case, this affirmation’s veracity can be observed in the discomfort she shows when Fiamma tries to expose her. In other words, Miss G is aware that she is pretending. What actually happens is an attempt to mix reality and illusion so that her frustrated desires and aspirations can be satisfied. This troubled relationship with reality - and not its denial - is the heart of bovarism (OLIVEIRA, 2015, translation).
Regardless of the “bovaric” personality features, which make Miss G and Emma Bovary comparable, there is a substantial difference between them: the daring. While Emma really tries to live the adventures she read about, Miss G only pretends she had lived them. Her character is symbolically expressed when, during the scene in which she serves Fiamma breakfast, she attempts to approach her hand from the girl’s face and touch it, but she trembles and gives up. This one fugacious tremble expresses the essence of the film: it is the desire - “the most important thing in life” - which hesitates and fails because it lacks daring.
With the human dreamy nature in mind, Miss G - a romantic who was not able to fulfill her aspirations nor to accept failure - must be understood as a risk we all take, since one can not predict its reaction towards doom.
4 -  Dicio.com.br/bovarismo (translation)
Moreover, a frustrated expectation can cause character changes, leading one to free its inner Miss G, who will be ready to make up reality, painting it with colors she likes more than the real ones. There will be plenty of “bovaric” artifices. After all, as Roland Barthes suggests, “[...] we are all Madame Bovary” (BARTHES apud OLIVEIRA, 2015, translation).



O BOVARISMO EM “SEDUÇÃO”, JORDAN SCOTT

Em um internato feminino, uma professora de natação tem seu relacionamento com a turma modificado pela chegada de uma aluna estrangeira - eis uma breve sinopse do filme “Sedução”, de Jordan Scott.
Na história, as estudantes do internato encontram-se de tal forma privadas do contato com o mundo exterior que acabam por formar, entre si, uma espécie de sociedade, da qual a elite é o time de natação. As jovens nadadoras têm a chance de escapar do tédio e da repreensão escolar através de Miss G (Eva Green), a professora que as treina.
Ao contrário das outras que integram o corpo docente, Miss G é jovem e vivaz, incentiva lhes a livre expressão, proporciona a leitura de livros proibidos e atribui mais valor à singularidade do que à regra. Ademais, a professora as entretém com histórias aventurescas de suas viagens, criando rachaduras nas paredes que separam as meninas do mundo exterior, dando-lhes um vislumbre da vida independente pela qual tanto anseiam.
Assim sendo, e tendo em vista a juventude e as carências emocionais das pupilas, não é de surpreender que Miss G seja para elas uma heroína (“Ela é destemida e verdadeira, é um exemplo para todas nós”)1, a quem procuram em tudo agradar e espelhar, uma vez que é uma figura feminina forte. A máxima da mestra (“A coisa mais importante da vida é o desejo. Vocês podem conquistar qualquer coisa que quiserem”)2 serve-lhes como hino de empoderamento e é parte significativa de uma relação plenamente estável - ao menos até a chegada de uma nova nadadora.
Fiamma (María Valverde), a novata estrangeira, logo chama a atenção de Miss G devido à sua personalidade irreverente e ao seu talento acima da média. Enquanto as outras “continuam a esperar que suas vidas comecem”,3 Fiamma já viajou o mundo, integrou a elite da sociedade espanhola e fugiu com um camponês comunista. Suas aventuras causam fascínio em Miss G, mas não há reciprocidade.
Ao invés disso, Fiamma sente desconfiança em relação às histórias da professora e, assim, começa a transformar seu comportamento. A antes altiva Miss G passa a oscilar, demonstrando insegurança quando a aluna sugere que tenha tirado suas aventuras de livros - o que acaba por confirmar-se. Miss G, na verdade, vive no internato desde menina e dele jamais saiu para canto algum.
1- Fala da personagem Di Radfield
2 / 3 - Fala da personagem Miss G
Não só as histórias que conta são fictícias como ela mesma o é.
Por trás da persona de mulher audaciosa e vivida, esconde-se uma pessoa abaladiça e atemorizada, muito diferente de Fiamma e das heroínas literárias que admira.
Não obstante a pressão sob a qual se sente, Miss G não desiste de sua personagem, colocando nela toda a sua fé cênica. Possui uma “insatisfação romântica que consiste em querer evadir-se de sua condição, adotando uma realidade idealizada”,4 característica que remete de imediato à Emma Bovary de Flaubert, que, infeliz por seu casamento não corresponder às ideias que os romances lhe sugeriram, busca em seus amantes a realidade com a qual sonha.
Há, claramente, fortes semelhanças entre Miss G e Emma: ambas cresceram em ambientes tediosos e isolados do mundo, onde as experiências reais foram substituídas pelos devaneios da mente, as duas são leitoras que retiram da literatura suas expectativas quanto a vida, sonham em ter as mesmas aventuras das protagonistas de suas histórias favoritas e, acima de tudo, são persistentes em suas ilusões, dando o sangue na tentativa de mantê-las vivas, mesmo quando o mundo e a própria razão alertam para o fracasso certo.
O estado de espírito no qual as duas personagens encontram-se imersas foi descrito pelo filósofo Jules de Gaultier como sendo “um funcionamento psicológico típico da espécie humana” (GAULTIER apud DIEGUEZ, 2010), ao qual nomeou “bovarismo”, em referência à personagem de Flaubert. Tal condição consiste em imaginar-se uma pessoa diferente da que se é e agir como se possuísse os atributos de vida que almeja, construindo uma personagem idealizada (OLIVEIRA, 2015).
De acordo com Gaultier, o bovarismo não é, todavia, uma fuga da realidade propriamente dita. No caso de Miss G, pode-se observar a veracidade dessa afirmação no desconforto que a professora demonstra quando Fiamma procura expor suas mentiras. Isto é, Miss G tem consciência da dissimulação que pratica. O que ocorre, na verdade, é uma tentativa de mesclar a realidade à ilusão, a fim de satisfazer desejos e aspirações frustradas. Essa relação conturbada com a realidade - e não a negação dela - é a essência do bovarismo (OLIVEIRA, 2015).
Não obstante os traços de personalidade “bováricos” que tornam Miss G e Emma Bovary passíveis de analogia, há entre as duas uma diferença substancial: a coragem. Enquanto Emma tenta de fato viver as aventuras que leu, Miss G apenas finge tê-lo feito.
4 - Dicio.com.br/bovarismo
Seu caráter é expresso simbolicamente quando, na cena em que serve o desjejum à Fiamma, tenta aproximar sua mão do rosto da menina para afagá-lo, mas treme e desiste.
Esse único e fugaz tremor carrega o cerne do filme: é o desejo - “a coisa mais importante da vida” - que vacila e fracassa, pois falta-lhe ousadia.
Tendo em vista a natureza sonhadora do ser humano, a figura de Miss G - uma romântica que não soube concretizar suas aspirações e tampouco aceitar a derrota - deve ser interpretada como um risco que todos correm, uma vez que não se pode prever a própria reação perante a ruína. Ademais, uma expectativa frustrada pode operar mudanças no indivíduo, levando-o a liberar a Miss G que tem dentro de si, pronta para maquiar a realidade, dando-lhe cores das quais goste mais do que as verdadeiras. Não faltarão artifícios “bováricos” - afinal, como diria Roland Barthes, “[...] somos todos Madame Bovary” (BARTHES apud OLIVEIRA, 2015).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

SCOTT, R. et al (Produtor) & SCOTT J. (Diretor). 2009. Cracks [Filme-vídeo]. Irlanda. Element Pictures et al.
FLAUBERT, Gustave. Madame Bovary. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2017.
PEDROSO, A.M. A Sonhadora Emma Bovary: Uma Análise do Perfil da Protagonista do Livro. Portal Educação. Retrived from: <https://www.portaleducacao.com.br/conteudo/artigos/idiomas/a-sonhadora-emma-bovary-uma-analise-do-perfil-da-protagonista-do-livro/49270> Acesso em: 9 abr. 2017.
DIEGUEZ, Sebastian. Emma Bovary e a Realidade Paralela. Uol. 2010.   Disponível em: <http://www2.uol.com.br/vivermente/reportagens/emma_bovary_e_a_realidade_paralela.html> Acesso em: 10 abr. 2017.
OLIVEIRA, Camila. O Bovarismo Nosso de Cada Dia. Wsimag. 2015. Disponível em <https://wsimag.com/pt/bem-estar/15868-o-bovarismo-nosso-de-cada-dia> Acesso em: 10 abr. 2017.

Giulia Schmidt
RA 81620465